Entrevista com Cláudio André Gondim Nogueira, diretor-executivo do Instituto Mauro Borges
Quando as informações de natureza científica sobre a realidade social contradizem o senso comum, a quem o governante deve ouvir? Projeções sobre realidades futuras justificam tomadas atuais de decisão? Crise fiscal significa diminuir políticas públicas de atenção aos mais vulneráveis? A Educação Fiscal pode impactar a sociedade?
O Programa de Educação Fiscal da Secretaria da Economia, ao compreender que os seus trabalhos de conscientização devem ser precedidos de perguntas ao invés de respostas fáceis, entrevista o economista Cláudio André Gondim Nogueira.
O entrevistado é diretor do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, possui graduação em Economia pela Universidade Federal do Ceará, mestrado em Economia pela Pennsylvania State University, e doutorado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza.
O Instituto Mauro Borges (IMB) realiza pesquisas científicas sobre a realidade social, econômica e geográfica do Estado de Goiás. Como é o processo de transmissão dessas informações para o governo?
Os institutos de pesquisa, como o IMB, são grandes produtores de inteligência pública. Um instituto de pesquisa pode atuar apenas na disseminação de dados e informações, mas também pode ter uma visão estratégica, como é o caso do IMB. Pretendemos influenciar o rumo das políticas públicas, por meio de processos que facilitam a tomada de decisão embasada em dados. Os estudos a partir de dados permitem que os problemas sejam compreendidos em suas devidas dimensões. Senso comum e improviso não são bons guias para formulação de políticas públicas.
Em sua avaliação, os governos são sensíveis às informações de natureza científica? Pergunto isso, porque muitas vezes aquelas informações podem contrariar o senso comum.
Acredito que existe um movimento de institucionalizar avanços na gestão pública, sendo que a liderança mesma de certos governantes pode ser comprometida caso haja resistência na aceitação de informações de natureza científica. O governante sensível ao conhecimento, às pesquisas e às estatísticas tem a sua liderança consolidada, enquanto o governante que não tem essa preocupação, a não compreender adequadamente as demandas da sociedade, pode fazer com que suas opiniões resultem em soluções equivocadas. No caso de Goiás, percebo que o governador tem uma visão moderna sobre a valorização do conhecimento científico como guia para políticas públicas. Nesse sentido, acredito que o Estado de Goiás está preparado para dar um salto de qualidade em suas políticas públicas para os próximos anos.
Se pensarmos nas políticas públicas que serão necessárias para o futuro, projeções atuais e tomadas antecipadas de decisão podem ser bastante úteis.
Quando os governos se pautam por projeções de natureza científica, é possível delinear estratégias para lidar com causas presentes de problemas futuros. Geralmente, os governos atuam mais no âmbito das consequências do que das causas. Mas se pensarmos em ganho de eficiência, o Estado tem que compreender as suas necessidades e antecipá-las, assim como as empresas que procuram entender as necessidades futuras e assim conseguem desenvolver as suas estratégias. O governo deve agir para além do imediatismo.
O senhor pode citar um exemplo de projeção em que, se não houver decisões presentes, problemas futuros poderão ocorrer?
A população brasileira está envelhecendo ao longo do tempo. De acordo com projeções do IMB, em Goiás, as pessoas com mais de 65 anos correspondem atualmente a 8% do total da população. Em 2060, estima-se que esse grupo corresponderá a 22% da população. Então, não se pode começar a pensar em políticas públicas para idosos no momento em que 20% da população já estarão com mais de 65 anos. Se existem dados e estatísticas que projetam essa realidade e estamos desde já cientes disso, precisamos trabalhar para lidar com essas situações futuras.
Como as disparidades regionais em Goiás, verificadas pelas pesquisas supervisionadas pelo IMB, podem gerar informações para escolhas a serem tomadas pela administração pública?
Trabalhamos com o Índice de Desempenho Municipal (IDM) que calculamos com base em 38 indicadores sociais e econômicos. A partir desse índice constatamos que os piores desempenhos municipais estão concentrados nas regiões Nordeste e Norte do Estado, além da região do entorno do Distrito Federal; enquanto municípios do sul, sudeste e sudoeste apresentam desempenhos nitidamente melhores. Atualmente, em trabalho no âmbito do Gabinete de Políticas Sociais do Governo do Estado, o IMB realizou o cálculo de Índice Multidimensional de Carência das Famílias (IMCF), seguindo uma metodologia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Mapeamos os municípios de acordo com as carências de seus domicílios, e além de confirmarmos as disparidades regionais dos outros índices, verificamos também disparidades locais, mesmo em municípios com bons desempenhos em outros indicadores. O objetivo do governo, dessa maneira, é desenvolver políticas específicas e customizadas para resolver problemas de domicílios. Quando o governo conhece carências individuais, em termos de moradia, educação e renda, é possível levar políticas de que o cidadão precisa, ao invés da adoção de soluções genéricas com baixa efetividade, conforme a recente literatura científica tem apresentado.
É razoável que sempre se exija que as políticas públicas sejam eficientes, na medida em que os cidadãos contribuintes financiam o Estado e esperam, legitimamente, que os recursos arrecadados sejam bem aplicados. Essa exigência é possível mesmo em cenário de crise fiscal?
Há um panorama mundial, que não é apenas de Goiás ou do Brasil, em que se verifica forte restrição fiscal. É preciso, portanto, realizar um esforço para compatibilizar o tamanho do Estado com as demandas que existem. Para viabilizarmos o máximo de entregas, precisamos de recursos para financiá-las, ao mesmo tempo em que precisamos fazer escolhas entre necessidades. Para isso, a própria sociedade deve participar na escolha daquilo que é prioritário para organizar as políticas públicas. Nessa perspectiva, o Programa de Educação Fiscal, coordenado pela Secretaria da Economia, tem um papel estratégico de conscientização, pois permite ações que valorizam tanto o aumento da receita, como por exemplo nas campanhas de incentivo à solicitação de documentos fiscais, quanto o aumento da compreensão de como os recursos são obtidos e quais as suas finalidades. O cidadão precisa se envolver na parte da alocação dos recursos, verificando se aquilo que espera do Estado está sendo bem cumprido.
O Programa de Educação Fiscal sempre reforça a razoabilidade do controle social da administração pública, mas ainda nos questionamos sobre como as suas mensagens têm gerado conscientização nos respectivos públicos-alvos. O senhor acha que é possível desenvolver estratégias de medição do impacto das ideias do programa de Educação Fiscal na sociedade? Como isso poderia ser feito?
O IMB está em investigação de metodologias para verificar quais são os impactos da Educação Fiscal. Estamos estudando os formulários avaliativos sobre as formações passadas, mas gostaríamos de aprofundar as questões qualitativas, a partir da percepção de como os ouvintes têm transformado as suas ações. Temos estudado a metodologia executada pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), em que o estudante é avaliado, inicialmente, com questões que ainda serão apresentadas em seus respectivos cursos de graduação e, após quatro ou cinco anos, quando se repete a mesma avaliação, o avaliador verifica se houve mudança de para um nível de conhecimento mais elevado. Em relação à Educação Fiscal, adotaremos uma linha de base a partir de respostas de quem nunca teve formação em Educação Fiscal e, após a participação em cursos, verificar quanto foi agregado. Se o mesmo indivíduo fizer o mesmo questionário em pontos diferentes do tempo, é possível detectar avanços. No caso do Enade, existe a garantia de que a mesma pessoa faça os testes inicial e final, mas pode ser que na Educação Fiscal não tenhamos, em todos os casos, essa oportunidade. Estamos atuando também em outras formas de análises de captura de efeitos. O Programa de Educação Fiscal, em sua importância estratégica de conscientização, precisa de um balizador, para que algumas reestruturações sejam efetuadas em caso de necessidade.